terça-feira

Possibilidade de aprendizagem para criança com deficiência: O Computador em Sala de Aula

 
Momento de transição, quebra de paradigma, mudança, …. são termos comuns quando a discussão é inclusão, porém o que norteará este texto baseia-se nos escritos de Larrosa (2001, p. 285) quando destaca
A criança não é nem antiga nem moderna, não está nem antes nem depois, mas agora, atual, presente. Seu tempo não é linear, nem evolutivo, nem genético, nem dialético, nem sequer narrativo. A criança é um presente inatual, intempestivo, uma figura do acontecimento.

E como figura do acontecimento quer participar, ser envolvida, brincar, gritar, ser criança... E criança é criança em qualquer lugar, independentemente da classe social, cultural, com ou sem deficiência. É uma figura do acontecimento e quando adentra a escola, seu único desejo é aprender.
É este desejo de saber e a vontade de conhecer que as mobilizam e as fazem assumirem as dificuldades que as introduzirão nos complexos processos da aprendizagem. Todavia a situação da não aprendizagem nos bancos escolares, não ocorre somente para os alunos com deficiência. Segundo Bueno (2008, p.47) muitos profissionais da educação se espantam frente aos resultados escolares extremamente baixos alcançados pelos alunos com deficiência, porém não é situação muito diferente de seus pares não-deficientes.
Sabe-se que

Há uma profissionalidade que vem de longe. Há uma cultura pública profissional e popular que as políticas públicas, as políticas de formação e de treinamento, ou as políticas de currículos não conseguem modificar com facilidade. A capacidade de transformar o cotidiano da escola através das políticas públicas é muito mais limitado do que nós pensamos. (ARROYO, p. 279)

A tendência a rotina e à repetição dos mesmos passos não contemplam a aprendizagem à todas as crianças, navegar por mares nunca navegados e abandonar a segurança do caminho conhecido requer do profissional da educação conhecimento, autonomia, autoria, prazer e criatividade em um processo complexo que envolve o aprofundamento de saberes num tecer/destecer/re-tecer de outras possibilidades de ensinagem.
O relato de experiência que este texto apresenta discute estas possibilidades de ensinagem a esta criança, figura do acontecimento, que adentra na escola, mas por causa da sua deficiência se percebe impossibilitada de acompanhar seus colegas de sala na resolução das atividades propostas pela professora. Esta por sua vez, entra em conflito, mas sente-se confiante em abandonar o caminho já conhecido e navegar por mares nunca dantes navegados ao trazer para sua sala de aula um computador. Parece fácil, mas segundo Arroyo (2011, p. 277) a escola é uma instituição pesada, lenta, muito complexa em sua dinâmica, é uma instituição que não muda tão fácil.
A discussão contemplará o computador como tecnologia assistiva possível e viável para ser utilizado em sala de aula por alunos com deficiência, cientes de que, cada criança é um sujeito, portanto cada caso é único, porém o compartilhar desta experiência exitosa foi base para outros professores romperem com a cultura do caderno e oportunizarem a outras crianças com deficiências se assumirem como figura do acontecimento.

Relato da Experiência: momentos de inquietações e enriquecimentos.

A noite de dez de fevereiro de dois mil e oito não foi comum para muitas crianças, principalmente para os alunos matriculados na primeira série (Ensino Fundamental de oito anos), o dia seguinte seria muito especial, o primeiro dia letivo. Para muitos pequenos, foi o cansaço que os fez dormir naquela noite, ansiosos pelo amanhecer.
Os cadernos encapados, o penal colorido com a imagem do personagem admirado, lápis coloridos e borrachas. Tudo novo, com o nome gravado, organizados e guardados dentro da nova mochila. O dia finalmente amanhece e a ansiedade aumenta, o uniforme lavado e passado aguarda ser vestido para transformar a criança em aluno.
Na mochila o material novo e na alma inquietações, insegurança, nervosismo e principalmente muita alegria. Agora são alunos de uma grande escola (principalmente para os que frequentaram os CEIs), aprenderão a ler e escrever, realizarão provas e receberão boletim com notas de “numeruzinhos”, levarão deveres para casa, formarão um novo grupo, serão parte de uma comunidade escolar.
Inquietações também permeiam o ambiente doméstico, será que o filho logo aprenderá a ler e escrever? Quem ou qual será professor? E o profissional da educação deve estar atento a todos esses nuances que o inicio do ano letivo traz, principalmente quando no primeiro dia de aula é abordado por uma mãe com a seguinte frase: “Professora, meu filho é diferente e segundo o médico sua aprendizagem será uma incógnita.” A palavra “diferente” no sentido linguístico significa dessemelhante, e ao observar os alunos na sala, já sentados em suas carteiras, tal diferença não foi localizada. Após questionar a mãe sobre possíveis dificuldades de comunicação, locomoção e necessidades fisiológicas, nos quais o aluno em questão não possui a professora solicitou duas semanas para conhecer o aluno, analisar e avaliar quais possibilidades de trabalho.
Durante esta etapa de conhecimento, observou-se que o aluno conhecia as letras do alfabeto e escrevia seu nome, todavia sua dificuldade motora dificultava muito a resolução das atividades propostas em folhas e também na cópia do quadro.

Sondagem para avaliar o nível conceptual linguístico do aluno

Nesta sala, a lousa é usada diariamente pelos alunos em escritas individuais e coletivas o que favoreceu identificar as dificuldades do aluno. Entre muitas observações, certa feita, a professora pediu para cada aluno escrever uma palavra, do contexto trabalhado, no quadro. E a palavra VACA designada para este aluno que foi uns dos primeiros a ser convidado a escrevê-la. A letra U era grafada e apagada constantemente, todos já haviam escrito suas palavras, mas o aluno mostrava dificuldades em escrever a sua. A professora então indagou:

Qual palavra você está escrevendo?
VACA.
Com que letra inicia esta palavra?
Com V.
Está bem! Eu já percebi que esta letra (a grafada no quadro) é um V.
Não, professora. Isso é um U e vaca começa com V.

Inquietações também invadem o profissional da educação, afinal não há uma receita pronta para ensinar e cada ser humano aprende de maneira diferente. Criar condições para que as diferenças sejam respeitadas de maneira que todos aprendam, requer comprometimento e conhecimento. Quebrar os modelos mentais estabelecidos por uma educação tradicional onde todos deveriam aprender da mesma maneira, não é tarefa fácil!
Marcada a reunião, a mãe informou alguns detalhes sobre as “diferenças” do seu filho. Este é acometido da Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber:

A Síndrome de Klippel-Trenaunay-Weber foi inicialmente descrita em 1900, consistindo de hipertrofia óssea e de tecidos moles, hemangiomas capilares cutâneos e dilatações venosas, aumento do membro afetado e das extremidades (macrocefalia e acromegalia). Sua incidência é de 1/ 27500 recém-nascidos com prevalência equivalente em ambos os sexos. A etiologia é incerta. Sugere-se, porém, ser resultado de anormalidade mesodérmica que ocorre durante o desenvolvimento fetal levando à manutenção de comunicações artério-venosas microscópicas nos tecidos. As manifestações clínicas dependem do segmento corporal afetado, geralmente um dos membros corporais, unilateralmente. (Kotze et. al., 2002, p.109)

Ao nascer possuía os dedos unidos, que foram separados por ato cirúrgico. Segundo laudo médico, o lado esquerdo do cérebro é bem maior do que o direito e há comprometimento cognitivo, por isso era uma incógnita seu processo de aprendizagem. Os laudos médicos e a narração da mãe poderia ser uma justificativa aceitável para o seu insucesso na escola. Todavia a principal função da escola é propiciar o aprender, e as primeiras inquietações deram lugar a novas, e entre elas: como?
Aparentemente o aluno tinha o mesmo desempenho dos demais, mas com grande dificuldade motora. Como sanar isso para não ocorrer disparidade no seu processo de aprendizagem sendo que ele não conseguia copiar e resolver as atividades propostas? Então surgiu uma alternativa: colocar um computador em sala para o aluno digitar em vez de fazer a cópia de punho.
Apresentada a proposta para a mãe e a equipe administrativa da escola, outras inquietações apareceram. Conseguir o computador não foi difícil, a primeira pessoa para quem foi relatada a situação, fez a doação. Todavia todos os alunos da sala possuíam sete anos, aceitariam tranquilamente o fato de um colega ter um computador em sala? Isso geraria conflito entre os membros do grupo? E os pais? Como se comportariam diante de tal situação? Outro grande problema, e se o aluno não se adaptasse ao uso do computador? Como dar-lhe a oportunidade de ter um computador, sonho de consumo de muitas crianças, e depois retirá-lo? Enfim, depois que o computador foi levado para a instituição de ensino, ficou três dias guardado no laboratório de informática, a espera que os modelos mentais incorporados através de uma educação tradicional fossem rompidos e reequilibrados.
A criança, mesmo com tantos estudos, ainda é uma incógnita para os adultos, tudo e todos têm a possibilidade de mudar continuamente e a criança de uma década atrás não é a criança que entra na escola atualmente, muitas vezes o adulto a creditar ser um ser inapto a algumas ações ou tarefas, e é surpreendido. Foi o que aconteceu nesta situação, após a instalação do computador, o aluno passou a realizar todas as atividades propostas pela professora. Terminou o ano de 2008 no nível conceptual linguístico alfabético e lendo palavras. Atualmente (2011) foi liberado do atendimento educacional especializado e frequenta no contra-turno aulas de reforço escolar. A sondagem abaixo foi realizada com a supervisora escolar da instituição na época, um comparativo com a primeira sondagem apresentada acima.


Escola Municipal XXXXXXXXXXXXXXXX
Professora: XXXXXXXXXXXXXXXX
Joinville, O6 de junho de 2008
Aluno: XXXXXXXXXX 1ª G

SONDAGEM

PAO                                             ESQUILO

ARFORE                                      BOLACHA

AQUARO (AQUÁRIO)               PAPAGAIO

LEÃO                                           ELEFANTE



Referência Bibliográfica:

ARROYO, M. Educação em tempos de exclusão In: GENTILI, P.; FRIGOTO, G. (orgs) A Cidadania Negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. 5 ed.. São Paulo: Cortez, 2011.

BUENO, J. G. S. As Políticas de Inclusão Escolar: uma prerrogativa da educação especial? In: BUENO, J. G. S.; LUNARDI MENDES, G. M.; SANTOS, R. A. Deficiência e Escolarização: novas perspectivas de análise. Araraquara, SP: Junqueira&Marin; Brasília, DF: CAPES, 2008.

KOTZE P. G.; SOARES A. V.; LIMA, M. C.; BALDIN-JUNIOR, A.; SARTOR M. C.; BONARDI, R. A. Síndrome de Klippel-Trenaunay: Uma causa rara de hemorragia digestiva baixa. Rev bras Coloproct, 2002; 22 (2), p.109 -112

LARROSA, J.; SKLIAR, C.(orgs) Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.